REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

O Art. 153 da Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul é um caso típico de receitas tributárias em correlação direta aos Artigos 157 a 162 da Constituição Federal.

Via de regra a repartição de receitas tributárias ocorrerá de um ente federado maior para um menor, ou seja, da União para os Estados, Distrito Federal e Municípios, e dos Estados para os Municípios.

Roque Antonio Carrazza[1]  acerca da repartição das receitas tributárias, com muita clareza e propriedade leciona:

“(…) Só há falar em participação no produto da arrecadação do tributo após ele ter sido instituído pela pessoa política competente e nascido, com a ocorrência do fato imponível. Sem a criação, in abstrato, do tributo e seu real nascimento, não pode existir o direito subjetivo à participação nas receitas tributárias. Decorre daí que a pessoa política “participante” não adquire o direito de tributar, em nome e por conta da pessoa política competente, se esta permaneceu inerte, isto é, não criou o tributo. Melhor dizendo, a expectativa de direito à participação só se transforma em efetivo direito ao depois da criação do tributo “partilhável” (pela pessoa política competente, é claro) e da não concorrência do fato imponível.

Em rigor, o que a Constituição faz é estipular que, na hipótesede ser criado o tributo, pela pessoa política competente, o produto de sua arrecadação será total ou parcialmente destinado a outra pessoa política. Evidentemente, se não houver o nascimento da relação jurídica tributária (prius), não poderá surgir a relação jurídica financeira (posterius). Esta é logicamente posterior à relação jurídica tributária (cujo nascimento depende do exercício da competência tributária).
(…)
Frisamos, porém, que, quando nasce o tributo, nasce, igualmente, para a pessoa política beneficiada, o direito subjetivo à participação no produto arrecadado. Nenhuma “razão de ordem pública”, nenhum subjetivismo da pessoa política arrecadante, nenhum pacto entre o Fisco e o contribuinte, podem sobrepor-se a vontade constitucional. Em última análise, cabe ao Poder Judiciário, quando invocado pela pessoa política preterida, fazer cumprir a Constituição.

A Seção III da Constituição Estadual trouxe as regras de repartição das receitas tributárias, ou seja, as partes devidas aos municípios da receita estadual. Nas palavras de Marcelo Alexandrino “tanto podemos falar repartição das receitas tributárias, quando nos referimos à entrega de recursos, como em participação no produto de arrecadação, quando nos referimos ao direito dos entes menores de receberem os recursos. Assim, os estados repartem os recursos do IPVA com os municípios. É o mesmo que dizer que os municípios participam na arrecadação do IPVA”[2].

Evidentemente, quando se fala em repartição de receitas tributárias remete-se ao estabelecido no art. 157 a 162 da Constituição Federal, pois é lá, diante do sistema Federativo, que se concentra grande parte da monta referente a essa receita. Para registro, a Federação arrecada através de diversos impostos como Imposto de Renda, Imposto de Importação, Imposto de Exportação Imposto, sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre operação de crédito, Imposto sobre Propriedade Territorial Rural e Imposto sobre grandes fortunas, sendo que aos Estados compete o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadoria e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, Imposto sobre a Propriedade de Automotores e Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, e aos Municípios outros três, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana e Imposto sobre Transmissão de Bens e Impostos Inter Vivos.

Ainda do campo da regra geral, a repartição das receitas tributárias relacionam-se ao Princípio Federativo, nada mais é, uma das formas de se assegurar a autonomia financeira dos entes federados menores.

De acordo com o Princípio Federativo, não pode a União ultrapassar as atribuições previstas na Constituição para com Estados ou municípios ou destes para com aquele. Sobre o tema, Flávio Azambuja Berti consigna o seguinte pensamento:

“É defensável, portanto, interpretar o Princípio Federativo enquanto “cláusula pétrea” como norma dirigida ao legislador infraconstitucional de todas as entidades que compõem o pacto Federal (Congresso Nacional, Assembléias Estaduais, Câmaras de Vereadores e Câmaras Distritais_ e também ao Constituinte derivado, no sentido de impedi-los de desconstituir, ofender, macular, ameaçar ou simplesmente flexibilizar a divisão de competências estruturada na Constituição Federal e a correspondente atribuição de poder político (autonomia) feita em beneficio de cada um dos entes federados.”

Como se vê, a proporção entre os impostos, à competência Federal agasalha grande parte do bolo da receita existente no país. Por consequência lógica, tal repatriação se mostra deverás necessária dada a necessidade da garantia constitucional da autonomia política entre os entes federados, nos termos do art. 18 da Constituição Magna Carta[3].

A terminologia nas regras de repartição das receitas tributárias é deveras importante para fins de compreensão do tema. Pode ser discorrido em repartição quando há entrega dos recursos, como em participação no produto da arrecadação, quanto ao direito dos entes menores de receberem os recursos. Portanto, os estados repartem os recursos do IPVA com os municípios, ou os municípios participam na arrecadação do IPVA.

Nesse norte, a Constituição Estadual estabeleceu a devida repartição de receita tributária em seus artigos 153 e 156, realizando tal partilha do Estado para com seus 79 Municípios, estabelecendo primeiramente que 50% do produto de arrecadação de imposto do Estado sobre propriedade de veículos automotores licenciados em seu território, pertence aos Municípios (inciso I, art. 153, CE). O IPVA é a segunda fone de maior receita dos Estados, com um total aproximado de R$ 600 milhões, somente ficando atrás do ICMS, o que demonstra a importância da Repartição do referido tributo na saúde financeira dos municípios. No presente caso, a base para o cálculo do valor a ser repassado ao município será o quantum de arrecadação de imposto dos carros licenciados naquele determinado município. Exemplificando, segundo o site Portal da Transparência o Estado de Mato Grosso do Sul repassou para o Município de Corumbá no ano de 2016 o valor de R$ 6.366.074,10 (seis milhões, trezentos e sessenta e seis mil e setenta e quatro reais e dez centavos), o que corresponde a 50% do valor arrecadado de IPVA dos veículos licenciados nesse município.

O imposto, diga-se de passagem, até a Emenda Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003 era a única receita passível de repartição, fosse ela proveniente da Federação para com seus entes menores, fosse ela decorrente dos Estados para com seus Municípios. Tal barreira fora totalmente ultrapassada quando da edição da mencionada EC 42, que apontou a repartição da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico relativa à atividade de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados – CIDE-combustíveis.

Como previamente registrado, estamos tratando de regra, e como regra geral o tributo que está passivo de ser repartido é o imposto. Contudo, com a edição da Emenda Constitucional n. 42/2003, se relativizou tal regra, prevendo a repartição da CIDE-combustíveis. “Essa contribuição social está genericamente prevista no art. 149 e seu § 2º, já comentados. Mas a participação de que aqui se trata não é na arrecadação de toda e qualquer contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), mas tão só aquela que incidir sobre atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, conforme estatuído no § 4º do art. 177, que merecerá comentário específico na oportunidade devida, com a observação de que ela foi instituída pela Lei 10.336/2001 – portanto, já esta sendo arrecadada.[4]

Quanto ao Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), os municípios terão direito à 25% de receita total. Bom lembrar que tal dispositivo é proveniente da própria Constituição Federal, que em seu art. 158, inc. IV[5]

Ainda no mesmo sentido, o Parágrafo único do art. 153 da Constituição Estadual espelha o Parágrafo único do art. 158 da Constituição Federal estabelecendo as proporções dos repasses, sendo três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios e até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual.

Portanto, aqui, o legislador definiu uma mistura entre proporcionalidades, levando em consideração no inciso I, referente a 3/4, de forma rígida, a capacidade econômica de cada município, e no inciso II a possibilidade de o Estado, através de lei própria, estabelecer a devida divisão de 1/4 do valor. Em comentário à Constituição Federal, Fernando Facury Scaff explica:

“O parágrafo único trata da transferência diretamente relacionada à cada entre subnacional. Estabelece expressamente que o mínimo de ¾ dos 25% de ICMS pertencentes aos municípios devem ser repassados conforme o valor adicionado fiscal das operações realizadas por cada ente municipal. A Constituição define, então, um critério de medição econômica, simplificadamente decorrente da diferença entre as notas fiscais de venda e as notas fiscais de compra do município. Nos termos dispostos pelo mandamento constitucional, portanto, a lógica de repartição das receitas do ICMS privilegia os municípios que mais produzem, ou seja, os mais desenvolvidos economicamente, capazes de gerar maiores receitas tributárias provenientes da circulação de mercadorias e serviços”.[6]

Assim, quanto aos outros 1/3 dos 25%, o Legislador Constituinte Estadual, na forma do inc. II, do parágrafo único do art. 153 da CE, deixou a cargo dos Estados a forma de divisão, tendo em vista as particularidades e necessidades de cada município. No caso do Estado de Mato Grosso do Sul, tal dispositivo é regulamentado pela Lei Complementar n. 57, de 4 de janeiro de 1991. A referida Lei Complementar estabelece em seu inciso III, do art. 1º, os seguintes critérios:

III – para os exercícios posteriores a 1992:

  • 75% de acordo com os índices apurados com base no valor relacionado a cada município;
  • 12% conforme índice resultante do rateio desse percentual, igualmente, entre todos os municípios;
  • 5% de acordo com o índice apurado com base na área de cada município, segundo dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro e Estatística;
  • 5% conforme índice apurado com base no número de eleitores de cada município no dia 30 de junho de cada exercício, de acordo com certidão fornecida pelo Tribunal Regional Eleitoral;
  • 3% de acordo com índice resultante do percentual da receita própria de cada município, a ser fornecida pelo Tribunal de Contas do Estado com base no balanço do ano imediatamente anterior;[7].

Importante a adoção de critérios meritórios objetivos e subjetivos da Lei Complementar n. 57 do Estado de Mato Grosso do Sul, uma vez que buscará sempre a equidade dos interesses sociais. Aliás, importante destacar que a liberdade dada aos Estados para a divisão de ¼ dos 25% da receita proveniente ao ICMS não pode, em hipótese alguma, anular municípios com baixa capacidade econômica. Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 401.953-1, estabelecendo que “1. Com base no disposto do art. 3º, III, da Constituição, lei estadual disciplinadora do plano de alocação do produto gerado com a arrecadação do ICMS, nos termos do art. 157, IV, par. ún., II, da Constituição, pode tomar dados pertinentes à situação social e econômica regional como critério de cálculo. 2. Contudo, não pode a legislação estadual, sob o pretexto de resolver as desigualdades sociais e regionais, alijar por completo um Município da participação em tais recursos. Não obstante a existência, no próprio texto legal, de critérios objetivos para o cálculo da cota para repasse do produto arrecadado com a cobrança de imposto, a Lei 2.664/1996 atribui ao Município do Rio de Janeiro valores nulos”[8].

A Constituição Estadual em seu art. 154 veda, acertadamente, a retenção ou qualquer restrição à entrega e ao emprego desses recursos. A regra se mostra evidente, notadamente em decorrência do mandamento constitucional da autonomia e independência político, administrativa e financeira esculpidos no art. 18 da CF/88. Contudo, tal determinação cabe exceções já admitidas pela Constituição Federal, ainda que não apontadas pelo art. 154 da CE.

Além do Princípio Federativo, outra forma de repartição de receitas tributárias, é a atribuição constitucional de competências tributárias às diversas pessoas políticas.

Em razão disso, a regra é a proibição de retenção dos valores a serem repartidos, conforme disposição expressa do Art. 160 da Carta Política, já mencionada.

As exceções a essa regra é a possibilidade de a União e os Estados condicionarem a entrega de recursos ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias (Art. 160, parágrafo único, inciso I da CF) e a possibilidade de a União e os Estados condicionarem a entrega à aplicação de recursos mínimos no funcionamento da saúde pública. Segundo consta da art. 160 da Constituição Federal a regra de não retenção ou restrição não se aplicam nos casos em que há condicionante dos Estados para com os Municípios ao pagamento de seus créditos, inclusive de suas autarquias e ao cumprimento dos limites de aplicação de recursos em serviço de saúde. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.106-5 o Supremo Tribunal Federal assim apontou entendimento:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇ ÃO DO ESTADO DE SERGIPE. ICMS. PARCELA DEVIDA AOS MUNICÍPIOS. BLOQUEIO DO REPASSE PELO ESTADO. POSSIBILIDADE.

1. É vedado ao Estado impor condições para entrega aos Municípios das parcelas que lhes compete na repartição das receitas tributárias, salvo como condição ao recebimento de seus créditos ou ao cumprimento dos limites de aplicação de recursos em serviços de saúde (CF, artigo 160, parágrafo único, I e II).

2. Município em débito com o recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas de seus servidores. Retenção do repasse da parcela do ICMS até a regularização do débito. Legitimidade da medida, em consonância com as exceções admitidas pela Constituição Federal.

3. Restrição prevista também nos casos de constatação, pelo Tribunal de Contas do Estado, de graves irregularidades na administração municipal. Inconstitucionalidade da limitação, por contrariar a regra geral ditada pela Carta da República, não estando a hipótese amparada, numerus clausus, pelas situações excepcionais previstas. Declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 20 da Constituição do Estado de Sergipe. Ação julgada procedente em parte[9].

Em dispositivos seguintes, o Art. 155 da Constituição Estadual aponta que o estado deve divulgar dados claros sobre arrecadação, origem e destino. Trata-se, portanto, de norma de controle, em atendimento ao princípio da publicidade das contas públicas,  dando satisfação à sociedade, aos municípios e demais órgão de controle, inclusive Tribunal de Contas, demonstrando a forma como a receita estadual será conduzida em atendimentos aos critérios legais estabelecidos.

Mencionados dispositivos replicam o disposto no Art. 162 da Constituição Federal. Esse dispositivo consagra o Princípio da Publicidade, sob o foco da transparência nas contas públicas, obrigado os entes federativos a tornar públicas suas receitas, seja a própria, seja a transferida. Desta forma, apresentarão à sociedade o montante arrecadado em cada qual dos tributos e quanto foi repassado entre as unidades federativas. Trata-se de uma espécie de “prestação de contas” com a sociedade. Para tanto, a norma impõe um prazo, qual seja, o último dia do mês subsequente ao da arrecadação.[10]

Vale aqui lembrar o tão homenageado art. 37 da Constituição Federal que determinou à administração pública princípios rígidos com a coisa pública.

Finalizando a Seção relativa à repartição das receitas, o art. 156 da Constituição Estadual determina que Lei complementar disporá sobre a criação e a organização de conselho formado por representantes dos municípios e do Estados com o fito de conferir e de publicar os valores anteriormente mencionados.


[1] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 52/2006. – São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 646-647. [1] ALEXANDRINO, Marcelo e Paulo, VICENTE. Manual Direito Tributário. 6ª ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2008.p. 161.

[2] ALEXANDRINO, Marcelo e Paulo, VICENTE. Manual Direito Tributário. 6ª ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2008.p. 161.

[3] Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

[4] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 8ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 694.

[5] Art. 158. Pertencem aos Municípios: (…) IV – vinte e cinco por cento do produto de arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

[6] CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES. Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1740.

[7] Lei Complementar n. 57, de 4 de Janeiro de 1991, publicada no Diário Oficial de Mato Grosso do Sul no dia 7 de Janeiro de 1991.

[8] RE 401.953-1, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento 18-6-08, DJE de 5-9-08.

[9] ADI 1106, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 05-09-2002, DJ 13-12-2002.

[10] CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES. Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1747.

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